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sexta-feira, 8 de março de 2013

ESTUDO COMENTADO SOBRE FERNANDO PESSOA E SEUS HETERÔNIMOS



(Livro: Fernando Pessoa - Obra poética I - Mensagem - )
Trechos de Jane Tutikian - comentários Dilson Ventura

O QUE SÃO HETERÔNIMOS?

Por que heterônimos e não pseudônimos? Porque, quando usa um pseudônimo, um poeta se esconde atrás de um nome falso. É para esconder o nome verdadeiro que o pseudônimo existe. O heterônimo, ao contrário, não esconde ninguém, é um personagem, criado pelo poeta, que escreve sua própria obra. Tem nome próprio, obra própria, biografia própria e, sobretudo, em estilo próprio. Ao criador de heterônimos se dá o nome de  Ortônimo.

(Fernando Pessoa deu vida a personagens que escrevem suas próprias histórias e tinham atitudes particulares, mas que de forma subjetiva relatam, com arte e poesia, fragmentos de sua vida)

CARACTERÍSTICAS DOS HETERÔNIMOS

ALBERTO CAEIRO: Nasceu 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. [...] Caeiro era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. [...] Cara rapada todos – o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; [...] Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase nenhuma – só instrução primária; morreram-lhe cedo seu pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos.




RICARDO REIS: Nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mês, mas tenho-os algures) no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. [...] Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mas seco. (Do que Caeiro, que era de estatura média) [...] Cara rapada todos – [...] Reis de vago moreno mate; [...] Ricardo Reis, educado num colégio de jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde 1919, pois expatriou espontaneamente por ser monárquico. É um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria. [...] Como escrevo em nome desses três? [...] Ricardo reis, depois de uma deliberação abstrata, que subitamente se caracteriza numa ode. [...] Reis escreve melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado. [...]



ÁLVARO DE CAMPOS: (o mais histericamente histérico de mim) [...] Nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (à 1,30 da tarde, diz-me o Ferreira Gomes; e é verdade, pois, feito horóscopo para essa hora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval (Por Glasgow), Mas agora está aqui em Lisboa em inatividade. [...] Álvaro de Campos é alto (1,75m de altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada todos – [...] Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo. [...] Álvaro de campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre. Como escrevo em nome desses três? [...] Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. [...] Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos como dizer <<eu próprio>> em vez de <<eu mesmo>> etc. [...] O difícil para mim é escrever a prosa de Reis – ainda inédita – ou de Campos. A simulação é mais fácil, até porque é mais espontânea, em verso.



PERSONALIDADES POÉTICAS

CAEIRO é o homem ligado à natureza, ele só acredita mesmo no que ouve e no vê. Para ele, não existe mistério:
O que nós vemos das coisas são as coisas.
Por que veríamos nós uma coisa se houvesse outra?
Por que ver e ouvir seria iludirmo-nos.
Se ver e ouvir são ver e ouvir?

O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê,
Nem ver quando se pensa. [...]
(HUMANISTA/NATURALISTA)

                                                                       
      Ver o        verdadeiro



RICARDO REIS faz uma poesia clássica, pagã, preocupada com a passagem tão rápida do tempo, que tudo aniquila, no melhor estilo do poema da Antiguidade, Horácio:
Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.

Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.
(TEMPORAL)

                                                                     

   Poético
 


ÁLVARO CAMPOS, ao contrário de Reis, é o poeta da modernidade, da euforia e do desencanto da modernidade, da euforia e do desencanto da modernidade; é o poeta da irreverência total a tudo e a todos:
LISBON REVISITED

Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas.
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) –
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na (...)
(IRREVERENTE)


                                                                      
 Modernista
  



EXPLICAÇÃO DE SUA DEPRESSÃO

Há em mim fenômenos de abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registro dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heterônimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenômenos – felizmente para mim e para os outros – mentalizaram-se em mim; quero dizer, não se manifestam na minha vida prática, exterior e de contacto com outros;  fazem explosão para dentro e vivo-os eu a sós comigo. Se eu fosse mulher – na mulher os fenômenos histéricos rompem em ataques e cousas parecidas – cada poema de Álvaro Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem – e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia...
(Me identifico bastante com esse trecho da carta escrita a seu amigo, Adolfo Casais Monteiro, em 17 de março de 1925, ela retrata muito bem a similaridade que existe em mim e Fernando em tratar dos nossos medos e histeria com o "silêncio e a poesia". Será eu também um histeroneurastênico? Acho que não, sou mais introspectivo mesmo...)

DOR ESCONDIDA
(Autopsicografia)

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.


“Aí, o poeta explica o que para ele é a criação de um poema, sugerindo que existem duas dores, a que o poeta sente e a que ele cria na poesia, e é a segunda que o torna fingidor. E foi o que Fernando Pessoa fez: fingiu tão completamente ser outros que não conseguiu encontrar a si mesmo. Mas isso se justifica: para o poeta, o fingimento é a forma de chegar à verdade essencial, e só se pode chegar á verdade essencial através do poema.”

(É claro que esse conceito é muito particular e épico também - toda essa definição de verdade essencial era por causa da dor momentânea de Pessoa em relação a seu rompimento com Ophélia, sua namorada, que por ciúmes, assim fala Álvaro de Campos, tinha dela. Hoje não precisamos fingir para fazer poesias; muito pelo contrário, as melhores poesias surgem com a verdade da alma. Ela precisa falar!)

DATAS IMPORTANTES

Em 1935, Fernando Pessoa escreve a famosa carta ao crítico Adolfo Casais Monteiro, datada de 13 de janeiro, em que explica como nasceram os heterônimos e na qual se revela um ocultista, um místico.
Morre no dia 30 de novembro de 1935, às 20h30, aos 47 anos, de cirrose hepática.

QUEM É E O QUE FEZ FERNANDO PESSOA

São ensaios, mais de mil poemas, três heterônimos, um semi-heterônimo desdobrado em dois (Vicente Guedes e Bernardo Soares), mais de setenta pequenos heterônimos (sem obra consistente), cartas, contos, teatro, textos políticos, notas etc. É a obra do fingidor, do polêmico, do criador de vanguardas, do ocultista, do poeta dramático, do poeta das quadras populares, e do questionador em busca de ser, que foi tanto a sua criação que se perdeu de si mesmo:
“Quem sou, que assim me caminhei sem eu
Quem são, que assim me deram aos bocados
À reunião em que acordo e não sou meu?”

(Fernando Pessoa foi um gênio! Capaz de criar pessoas imaginárias e viver com elas e para elas. Foi um mestre da poesia, foi um ser romântico e histérico ao mesmo tempo - controvertido em si mesmo. Pessoa foi só! Mesmo rodeado de muitos - heterônimos, poesias, paixões, perdas, dores, conquistas, títulos, denúncias, glórias etc; foi um intelectual incompreendido e um sábio silencioso. Fernando Pessoa foi um artista das letras e com a escrita pintou vários quadros poéticos, criou  coreografias e dançou sobre nossos corações com suas belas rimas, PhD na arte de interpretar - ah, esse dom tá no sangue dele! Fernando Antônio Nogueira Pessoa um criador de emoções próprias e sentimentos silenciosos...)

2 comentários:

  1. Nossa, esse texto me trouxe a lembranças dos meus tempos de colégio, e das aulas de literatura.
    Virei fã de Fernando Pessoa, por seus heterônimos, e por imaginar a possibilidade de ser várias pessoas,e personalidades, sentimento e seres em um mesmo ser, isso me encantava.
    Um ótimo texto, parabéns pela grande escolha.

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  2. Verdade, Maria! Me lembra também minha época de escola. Na verdade foi a primeira vez que ouvi falar de Caeiro, Álvaro e Ricardo. Ah, e de Fernando, é claro! Foi pra mim uma delícia digitar esse texto e escrever meus comentários... Sem contar a leitura do Livro que é fantástico!

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OBRIGADO POR SUA PARTICIPAÇÃO!